Clock

17 de novembro de 2010

SOLIDARIEDADE

Parece que a palavra solidariedade, na sociedade pós-moderna, torna-se cada vez mais uma raridade em decorrência de fatores que só o capitalismo selvagem, analisado sob o prisma do olhar dos sociólogos, poderia explicar.
Mas um parente meu, que emigrou para o Brasil no final do século dezenove, trouxe em sua bagagem solidariedade de sobra. Trata-se de meu bisavô François Gheur. Ele nasceu em Liege, na Bélgica em 1866. Lá, aos vinte anos, começou a trabalhar como engenheiro, em 1887, já com planejamento de estradas de ferro, pois esse era o transporte mais popular na Europa.  Sabendo de alguns engenheiros belgas que foram contratados para construírem estradas de ferro no sul do Brasil, decidiu deixar seus pais e irmãs e tentar a sorte no país da América do Sul. Chegou ao Paraná, precisamente em Paranaguá em 1890. 
Foi contratado pela Companhia de Estrada de Ferro São Paulo- Rio Grande, aos vinte e quatro anos, em primeiro de março de 1890, onde conviveu com os engenheiros da estrada de ferro como: Rodolph Lange, Gaston Serjat, Affonso Solheid que já trabalhavam na Companhia e eram provenientes da Bélgica.  Também conviveu com os engenheiros Antonio Pereira Rebouças, João Teixeira Soares que foi o construtor da ponte férrea de São João considerada uma obra prima nacional da ferrovia Curitiba-Paranaguá inaugurada em 02/02/1885. 
Como François não sabia falar o português, conheceu uma viúva de nome Carolina Figueiredo Condessa, na cidade de Antonina que lhe ensinou algumas palavras, pois estudara o francês. Ela possuía um filho pequeno de nome Francisco. François se apaixonou pela jovem viúva e a pediu em casamento. Constituindo família de oito filhos e um enteado, François estabeleceu-se em Antonina; mas depois fixou residência em Curitiba.
Suas funções técnicas na estrada de ferro o obrigavam a viajar por todos os lugares onde estivessem sendo construídas estradas de ferro. Foi aí que começou a revelar o seu lado solidário. A construção dessas estradas era um trabalho árduo em que os trabalhadores sofriam toda a sorte de problemas: desde casos de febres provocadas por malária, quedas e até problemas financeiros. Aí François chegava a se destacar pois era incapaz de deixar um operário sem ajuda financeira para comprar remédios para um filho doente, pagar um médico, comprar comida pois o parco salário não dava para sustentar-se de acordo.
Certa ocasião François estava a serviço da Cia. de Estrada de Ferro entre as cidades de Palmeira e Ponta Grossa. Conheceu um dos contratados como turmeiro para a construção da estrada de ferro daquele trecho. Era o imigrante polonês Miguel Zak , que também era carpinteiro. Esse tinha um filho de nome Jan Zak, que viria a se tornar o famoso escultor João Zaco Paraná. O menino nascido em 1884, na Silésia polonesa freqüentava a oficina de ferramentas de seu pai e, para se distrair, esculpia em madeira pequenas peças entalhadas a canivete como: santos e utensílios domésticos, que eram vendidas na estação do trem.
François percebe o talento do garoto e comovido, porque a família Zak não tinha condições de sustentar os estudos dele, resolve ajudá-lo. Pede ajuda também ao engenheiro seu colega Affonso Solheid e conseguem para Jan Zak uma bolsa de estudos junto ao Presidente do Estado, na época, Santos Andrade.
 Mas François, quando o trouxe para Curitiba, fez mais: hospedou-o na sua residência em 1895. Tornou-se tutor oficial dele que resolve assinar João Zaco Paraná.
François consegue então uma ajuda do governo do Paraná para que Zaco Paraná se matriculasse na Academia Real de Belas Artes de Bruxelas , na Bélgica.  E o nosso artista tem uma trajetória brilhante ao voltar para o Brasil vivendo até 1966.
Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, François recebe uma triste notícia: os alemães invadiram Liege e mataram toda sua família. Foi um triste baque para o engenheiro que havia nomeado a maioria de suas filhas com o mesmo nome de suas irmãs deixadas lá na Bélgica.
Meu avô Gastão, filho de François Gheur, jamais mencionou ou se vangloriou com as atitudes solidárias de seu pai François. Foi mais tarde, quando a família foi procurada por historiadores que essas ações vieram à tona para a família.
Mas François deixou um legado para seus descendentes: uma solidariedade humilde sem nunca esperar reconhecimento; pois Deus assim nos ensinou.
        *   *   *
(texto: Aurea Gheur S. de Souza)

5 comentários:

Marc disse...

Prezada Aurea,
Muito obrigado pelo testemunho sobre seu bisavô. Eu sou belga, vivo em São Paulo, e fazendo um site sobre o Patrimônio belga no Brasil – veja http://belgianclub.com.br/heritage
Estive o mês passado em Curitiba para fazer pesquisa sobre a Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba e no livro “Paranaguá – Curitiba: Oitenta anos de ligação ferroviária. – Curitiba: Rede Ferroviária Federal S.A., 1965. – 258p.” aonde encontrei também uma foto de François (do arquivo da família) está escrito na p. 81 “François Gheur, natural de Liège, na Bélgica, tendo chegado ao Brasil em 1888, trazido pelo Engenheiro Gaston de Serjat. Chefiou os trabalhos do ramal de Antonina e prosseguimento da linha além de Curitiba. Ele constitua família no Paraná com descendentes ferroviários.”
No seu texto, o ano de chegado ao Brasil é 1890. Gostaria de ter certeza em qual ano ele chegou porque em 1888 foi iniciado as obras ao ramal ferroviário de Antonina a Morretes, construção concluída em 1891.
Outras informações sobre seu trabalho no Brasil são bem-vindo.
Provavelmente a senhora sabe que o Museu Oscar Niemeyer de Curitiba tem um retrato bonito de François Gheur” do artista norueguês Alfredo Andersen.
At.
Marc Storms

Ziza Marques disse...

Feliz em conhecer sobre seu bisavô. Sou bisneta de Affonso Solheid e da mesma forma admiro este lindo legado.

Marc disse...

Bom dia Ziza, gostaria de conhecer também a trajetória do seu avô Affonso Solheid. A senhora poderia me providenciar mais detalhes?

Ziza Marques disse...

ALFHONSE SOLHEID
DN: 29/10/1865
PAIS: FRANCISCO PAULO SOLHEID E MARIA CATHARINA SOLHEID
LOCAL DO NASCIMENTO: VIELSALM-BELGICA (FRONTEIRA DE LUXEMBURGO)
VEM PARA O BRASIL PELO DECRETO IMPERIAL QUE ESTABELECE CONDICÕES PARA IMIGRANTES EUROPEUS EM 16/01/1867.
NO BRASIL TRABALHOU COMO TESOUREIRO DA ESTRADA DE FERRO, NA BELGICA TALVEZ TENHA SIDO MINERADOR. ERA ATEU E SOCIALISTA
CASOU COM ANTOINETTE PARROT AOS 26 ANOS DE IDADE E ELA COM 17 ANOS. ANTOINETTE ERA FILHA DE CLAUDE E ANA MARIE PARROT (SANJOUR DE SOLTEIRA) NASCIDOS EM ST ETIENNE -VALE DO LOIRE- FRANÇA E VINDOS PARA O BRASIL EM 14/04/1874 PARA TRABALHAR COM A AGRICULTURA NAS COLONIAS LOCAIS. ANTOINETTE NASCEU JÁ NO BRASIL NA COLONIA DE ASSUNGUI HOJE REGIÃO DE CERRO AZUL.
FUNDOU A VIDRARIA PARANAENSE COM UM TECNICO BELGA DA FERROVIA. SITUAVA-SE NA RUA RATCLIFF, ATUAL DESEMBARGADOR WESTPHALEN, ONDE HOJE ESTÁ O ANTIGO CEFET ATUAL UTFPR.
EM 1910 EMBARCA PARA FRANÇA COM A FAMÍLIA, SUA ESPOSA ANTOINETTE E OS FILHOS, MARIA(12/01/1893), MARGARIDA(21/07/1894), PAULO( 14/12/1896) E FRANCISCO (9/2/1899). PERMANECEM NA BELGICA POR ALGUNS ANOS.
ALFHONSE NA BELGICA ESTUDOU NA UNIVERSIDADE DE LIEGE, RECEBENDO O CERTIFICADO DE AGRIMENSOR EM 1912 E DEPOIS CONCLUIU OUTROS CURSOS TALVEZ NA AREA DE MINERAÇÃO.
SEU AFASTAMENTO DA VIDRAÇARIA LEVOU A FALENCIA. BEM COMO SUA FILOSOFIA SOCIALISTA COM UM SISTEMA DE APOIO AOS SEUS FUNCIONARIOS. DEU CASA PARA CADA UM E APÓS A FALENCIA DOOU OS MAQUINARIOS PARA CADA FUNCIONARIO.
*INFORMAÇÕES RETIRADAS DOS ESCRITOS DE PEDRO AFFONSO SOLHEID
APOIOU JOÃO ZACO PARANÁ PARA OS ESTUDOS EM BRUXELAS E EM UMA CARTA DE SETEMBRO DE 1908 ESCRITA PARA ALFHONSE QUE HOJE SE ENCONTRA NO MUSEU PARANAENSE HÁ RELATOS DA AJUDA FINANCEIRA QUE OFERECIAM PARA O JOVEM ESCULTOR. ALGO COMO 150 FRANCOS.
*RETIRADO DO LIVRO JOÃO ZACO PARANÁ
SOU MARIA TEREZA MUNIZ MARQUES FILHA DE PEDRO LAGOS MARQUES FILHO E ZAIRA MUNIZ MARQUES. MEU PAI É FILHO DE PEDRO LAGOS MARQUES E MARGARIDA SOLHEID A SEGUNDA FILHA DE ALFHONSE. MARGARIDA SOLHEID MARQUES QUE ESTUDOU PIANO NA BELGICA COM LUBA ALEXANDROVSKA E FOI PROFESSORA DE PIANO NA ESCOLA DE MUSICA DE BELAS ARTES DO PARANÁ EM 1948.

Marc disse...

Muito obrigado, sra Ziza. Criei no site do Patrimonio belga, a pagina http://www.belgianclub.com.br/pt-br/creator/solheid-alphonse-1865 e indiquei a senhora como autora do texto.